quarta-feira, 28 de maio de 2014

Algumas notas sobre a escola da ponte - a reportagem da TVI



A propósito da reportagem sobre a escola da ponte, na sequência da reportagem de ontem no jornal das 8 na  TVI (aqui http://www.tvi.iol.pt/programa/jornal-das-8/4295/videos/156659/video/14145480/1 a partir dos  30 minutos.) quero antes de mais fazer uma ressalva: considero que este é não só um dos projectos educativos mais interessantes que temos em portugal, com provas dadas e que se afirma pela sua qualidade e consistência contra os ventos e marés da centralização, do preconceito e burocracite do Ministério da Educação. No que me diz respeito, e se pudesse, havia uma escola da ponte em cada cidade deste país. 

Posto isto, existem algumas questões e observações que me saltam à vista, de entre aquilo que a TVI mostrou (e que acredito que seja redutor ou incompleto, face à realidade daquela escola). Estas questões resultam por um lado do meu parco conhecimento da escola da ponte e de um bom conhecimento do trabalho feito na Voz do Operário, em particular na escola da Ajuda, onde é aplicado o modelo da Movimento da Escola Moderna (MEM).

1 - A escola da ponte utiliza manuais escolares. No meu entender, os manuais são um factor redutor da aprendizagem, desresponsabilizam o aluno e o professor no processo de construção da aprendizagem. A escola da ponte respeita o ritmo de aprendizagem do aluno, cada um define o seu plano e trabalha de acordo com esse compromisso, e isso deveria ser razão para banir os manuais escolares.

2 - Na escola da ponte os alunos definem o seu plano quinzenal de trabalho e são acompanhados por professores tutores. Cada plano é individual e os progressos são marcados nas folhas do "eu já sei". Após esse registo o aluno é avaliado pelo professor, de forma oral ou escrita. Esta avaliação suscita-me dúvidas, pois não consigo perceber até que ponto ela é diferente dos tradicionais testes, ou seja, parece-me que se trata de uma avaliação sumativa personalizada, mas que serve apenas para "certificar" os saberes, descartando a sua função diagnostica e formativa. Apesar de ser personalizada, esta avaliação mais o ponto final de uma aprendizagem, do que o inicio de outra.

3 - O ensino personalizado na escola da ponte parece-me demasiado individualizado, ou seja, respeitar o ritmo do aluno não implica necessariamente  ignorar o ritmo do grupo, pois ao centrar cada aluno sobre si próprio, não se limita a anular a competição (o que considero positivo) mas anula também a relação com os outros no grupo, ou seja, o individuo sobrepõe-se de tal forma ao colectivo que deixa de ter consciência dos outros. É como se numa pista de atletismo, em vez da separação das faixas em vez de uma linha tivéssemos um muro.

4 -  Mas, na escola da ponte os alunos entre-ajudam-se. Entre-ajuda é uma das palavras chave desta escola, os passaram o "eu já sei" ajudam os que estão no "eu preciso de ajuda". Sim, é verdade e é um dos aspectos mais positivos nesta escola. O que acontece no entanto é que essa relação de ajuda tem algumas particularidades que me suscitam dúvidas:
  a) tal como na relação entre aluno e tutor, é uma relação restrita a duas pessoas, um dialogo que não é alargado ao grupo
   b) trata-se de uma relação não paritária, há um que sabe e outro que não sabe. Um ensina o outro aprende.
Apesar de se procurar romper com o modelo tradicional, continua-se a assumir que o processo ensino aprendizagem assenta num emissor e num receptor, de um lado está o que sabe e ensina e do outro o que não sabe e aprende. Seria bem mais interessante assumir que o conhecimento é algo que está ao dispor do grupo e que esse é um trabalho colectivo em que cada um contribui com a sua parcela e todos aprendem um pouco, e que nesse processo todos tomam consciência que não há respostas absolutamente certas nem absolutamente erradas. O conhecimento é dinâmico e resultado colectivo de contribuições individuais. 

5 - A dada altura um que fala dos primeiros tempos na escola da ponte diz que o mais difícil foi aprender a escolher e a trabalhar sozinho, um professor diz que é difícil porque tem que gerir os planos e tempos de cada aluno. A jornalista refere que na escola da ponte os alunos aprendem em conjunto, não havendo salas diferenciadas por idade ou grau. O que me suscita algumas dúvidas é a conjugação entre trabalho individual feito num espaço partilhado e verdadeiro trabalho de grupo, de partilha em plano de igualdade e com objectivos comuns. 

6 - A assembleia de escola foi algo que ficou muito à pele na reportagem e sobre a qual gostaria de saber mais. Custa-me perceber como uma assembleia de escola, com alunos desde o pré escolar ao 9º ano funciona de forma igualitária. Por muito democratas que sejamos, a capacidade de argumentação, de consciência, de concentração de um aluno de 12 anos não pode ser equiparada à de um de cinco. Receio que a igualdade absoluta, seja sintoma de injustiça... Por outro lado, a presença dos pais nestas assembleias, a sua participação plena na vida da escola, como parte interessada (e interessante) parece-me algo único e um aspecto altamente enriquecedor para todas a as partes. 

Não pretendo denegrir o trabalho da escola da ponte e repito que é uma escola especial no melhor sentido, um exemplo vivo de que a escola não é uma fábrica, que existe para se aprender, para ajudar os alunos e contribuir para formar cidadãos conscientes, pessoas no pleno sentido da palavra. Escolas destas fazem falta, e são a cor que animam um cinzentismo presente no panorama nacional e europeu. Escolas destas são um grito de coragem e que por isso mesmo merecem o nosso questionamento, no sentido de se conhecer mais e melhor, para que os caminhos que trilharam se possam multiplicar e crescer com mais vigor.









2 comentários:

  1. Gostei muito da análise e das observações! A escola da fonte poderá ser um protótipo de educação. Respeita a individualidade, valorizando-a no contexto de grupo. Penso que é para atribuir responsabilidade e autonomia que é o próprio aluno a elaborar o seu plano e vejo fundamental a sua participação na assembleia. Aguardaremos pelos resultados desta «geração». Obrigada pelo seu texto. Vou seguir.

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  2. Muito obrigado pelo comentário.Na medida das minhas irregulares disponibilidades, sempre ao dispor.

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