segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

As funções da avaliação. Avaliar não é classificar, é construir um caminho partilhado.*


*recuperação de um texto de 2014, de minha autoria que andava "perdido"



mudar a avaliação significa mudar a escola”
Perrenoud, 1992 

Independentemente da corrente pedagógica seguida, a avaliação é um elemento chave das escolas e dos sistemas educativos. Para se conhecer é necessário avaliar, e avaliar significa medir, quantificar quer em termos absolutos quer em termos relativos, um ou mais elementos desse sistema. 

No ensino tradicional a avaliação dos alunos é traduzida em testes e exames, que se resumem a um número, numa escala predeterminada e a média dos resultados obtidos ao longo do ano constituem a classificação dos alunos. No final do ano o aluno é classificado de acordo com os resultados que obteve nos testes: “é um aluno de 3, ou de 4 ou de…” é o número e esse número vale pela posição que ocupa na escala de resultados obtidos no universo dos seus colegas, da sua escola, do sistema educativo. A avaliação serve para muita coisa e uma delas, muitas vezes a primeira, senão única, é a classificação dos alunos. É fácil por números numa folha de cálculo, mas é difícil fazer o mesmo com pessoas… 

Outro aspecto da avaliação através de testes e exames é que permite determinar o que é importante e o que é acessório. Se não sai no teste, nem vale a pena dedicar atenção ao assunto. A avaliação na forma de objectivos e metas constitui um programa sobre o programa. Determina o conhecimento válido e a forma válida de o apresentar. O teste inclui ou exclui determinada matéria, a “grelha de correcção” determina o valor da resposta, definindo critérios para a valorização das formas de resposta aceites. 

Por fim a avaliação no modelo tradicional constitui a razão de ser do ensino, da escola e da turma. Ao aceitar que o aluno vale pelas classificações que obtém numa prova que avalia o que aprendeu e que aprender é a razão pela qual está a escola, escola trabalha para que o aluno obtenha sucesso nessa prova. Conhecida a classificação, conhece-se verdadeiramente o aluno. 

A avaliação na perspectiva do MEM é no entanto diferente. A avaliação não é um momento não é o culminar de um processo de aprendizagem nem tem como objectivo principal classificar um aluno. 

A avaliação é um elemento intrínseco ao processo de aprendizagem num contexto cooperativo, pois serve como mecanismo de tomada de consciência, individual e grupal do percurso realizado e ferramenta de decisão, individual e grupal, face ao percurso a seguir. O seu aspecto contínuo torna-a muito mais útil como ponto partida do que de chegada e a sua dimensão colectiva torna-a formadora. 

Encarar a avaliação como uma das dimensões da aprendizagem implica não apenas dar a conhecer os objectivos mas sobretudo fornecer os instrumentos necessários a essa tarefa. O envolvimento dos alunos passa pela participação na determinação de objectivos e pela hetero e auto-avaliação. A avaliação enquanto actividade reflexiva e colectiva choca com percursos pré-determinados e desvaloriza o tipo de classificação procurada no sistema tradicional. Ao construírem colectivamente e em cooperação, entre pares, os seus percursos, os agentes do processo de aprendizagem possuem plena consciência que não são um número obtido numa prova ou exame. 

Ao estabelecerem os seus objectivos e discutirem as suas avaliações (como acontece no conselho) tomam consciência que cada um deles, os seus percursos, as suas áreas de preferência e as suas dificuldades não podem ser reduzidos a simples dígitos. 

Por mais que os queiram sujeitar a exames, os alunos do MEM sabem que não cabem em folhas de cálculo. A mera avaliação externa, que lhes é alheia e resumida à sujeição a um inquérito escrito na forma de uma dezena de perguntas nunca lhes trará mais informação que o trabalho (e que trabalho!) que realizam diária e semanalmente ao longo do ano. 

Os alunos do MEM têm consciência do seu valor, porque aprenderam a decidir os seus objectivos e reflectiram sobre os seus progressos… e isso é assustador para quem possua uma visão contabilística da educação, em que os alunos cabem numa quadricula de uma qualquer tabela de dupla entrada.

Adenda

Ao contrário de outros métodos construtivistas, a avaliação realizada de acordo com o modelo do MEM não é centrada na criança. É centrada no coletivo da turma, por defender que a aprendizagem, assente na autonomia só é consistente e efetiva se for complementada pela responsabilidade para com o grupo. A dimensão social da aprendizagem apenas tomo significado no contexto das relações: aprendemos com e para os outros, e o sucesso do outro é o melhor indicador do próprio sucesso.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O peso das mochilas

Perante a evidência do escessivo peso das mochilas dos alunos, surge uma petição através da qual se pretende reduzir a carga transportada diariamente para cá e para lá.
As mochilas do 5º e 6º ano podem chegar a pesar até 30% do peso da criança, quando a OMS recomenda como limite os 10%.

As editoras já responderam que estão prontas para reduzir o peso dos manuais, a parte de leão do recheio das mochilas. E têm solução: manuais digitais.

Vuelta al cole - Mochilas
Mas o peso das mochilas é apenas a parte física da questão. Quanto pesa um manual na educação? 


O manual, em papel ou digital, é a operacionalização das determinações curriculares do Ministério da educação, transformada em via sacra do ensino tradicional, em que que a lição de amanhã está escrita na página que se segue à de hoje.
Os manuais fazem falta, são úteis, muito mais úteis seriam se fizessem parte de um acervo bibliotecário de cada sala de aula, à disposição dos alunos, a par de enciclopédias, dicionários e gramáticas.
Tal como existe e é utilizado, o manual não é um mapa do saber, mas sim uma cerca que delimita a vereda de onde alunos e professores não devem trespassar. 

Num mundo de futuro incerto e onde as capacidades de gestão da informação, de análise crítica e criatividade devem ser a marca da aprendizagem, os manuais únicos, são a base material e a marca pedagógica de uma educação limitada e limitadora. "poucochinha" diria.

Tal como existem  hoje, os manuais escolares são as fast-food das salas de aula. Informação de plástico, já mastigada, pronta a ser consumida e deitada fora depois do teste.

O peso das mochilas pode medir-se em kilos, mas deve sobretudo medir-se em ignorância, ignorância dos caminhos da aprendizagem plena e da construção do conhecimento, que devia ser feita na descoberta do mundo e não na da ladainha das editoras.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Nota para uma educação futura

A democracia nas escolas não será alcançada por decreto. Terá que ser primeiro conquistada e efetivamente vivida.



Foto: Ato público do MST (Movimento dos Sem Terra) para denunciar o critico cenário de encerramento das escolas no campo e o forte processo de mercantilização da educação pública brasileira.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A escola é, como a democracia, o pior dos sistemas, com exceção de todos os outros.

E as duas estão intimamente ligadas, no sentido em que a escola é por excelência o espaço coletivo de transferência e construção dos conhecimentos, valores e práticas de uma sociedade, muito no sentido que lhe é atribuído por Bourdieu, dentro do paradigma da reprodução social.

Será assim, pela educação, e em operacionalizada na escolarização que a dimensão cultural, mas também estrutural que uma sociedade se reproduz nos seus valores, práticas e conhecimentos.

Não será por coincidência que o aumento dos deficits democráticos acompanhem senão causem, deficits de escolarização e de escolaridade. É nas democracias mais avançadas que se verificam não apenas os maiores índices de escolarização mas também as formas mais plurais e participação na escolaridade.

Onde a democracia se funde com participação, encontramos os sistemas onde escolaridade se funde com pluralidade, não só na dimensão escolar mas também no papel da família, assim como o da cultura, nas suas variadas formas.



Alavanca de Arquimedes
   

Da mesma forma que não é legítimo atribuir à democracia, mas sim às suas limitações, o crescimento de forças antidemocráticas, não se pode atribuir à escola o crescimento do analfabetismo, funcional ou efetivo. Esse analfabetismo, a existir, decorre das limitações da escola enquanto laboratório social de uma democracia limitada.


Enquanto entendermos a democracia como um sistema de delegação de poder meramente representativo e a escola como um local e um tempo de fabricação de “bons cidadãozinhos” ambas ficam a perder, e nós com elas. Mas não poderemos depois culpar a democracia nem a escola por as termos confinado a um funcionalismo residual, nem adianta, azedado o leite, apresentar-nos como clientes insatisfeitos, exigindo o livro das reclamações.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A culpa não é da escola.

A escola é aquilo que fizemos dela. A escola nem sequer é escola, são muitas escolas, quase todas parecidas, mas ainda assim com diferenças quantitativas e qualitativas para que se distingam. Sabemos que o modelo dominante é o da escola de massas, essa que abriu as portas a todos, mas onde o anonimato e o alheamento do outro, professor, funcionário ou aluno, prevalece, onde a qualidade é definida por um rácio, direto e curto de vistas e razões, entre a média das classificações por cada euro investido gasto. É a escola cujos portões a revolução de Abril abalroou fulgurante, abrindo-os de par em par, para depois ser barrada nas portas das salas de aula, das secretarias e apenas podendo espreitar para a sala dos professores como uma se fosse uma visitante atrevida.

A escola que abarrotou de gente e teve que se reinventar para acolher o povo, a escola das duas primeiras décadas da liberdade dividiu-se entre a insuficiência e a ilusão, entre a esperança e a insegurança. Centrando-se nas dificuldades e na incapacidade de olhar para o futuro, o medo venceu e a insegurança viu na ação disciplinadora a âncora que a manteve presa ao que no passado funcionara.
Nas duas décadas seguintes, a falácia comprovou-se e aprofundou-se, pois as premissas apenas permanecem verdadeiras se as variáveis se mantiverem, e não se pode fazer uma escola com futuro com os pés e as mãos agrilhoados ao que já não é, porque o futuro do passado não é o futuro do presente. Quando a escola, nos anos 90, desmoronava de futuro, pintaram-lhe as paredes de fresco, equiparam-nas com coisas do futuro, e ajustaram as velhas roupas do controlo e da disciplina para que o paradigma que funcionara no “antigamente” fosse reparado e voltasse a funcionar. Mas o paradigma nunca esteve avariado, sempre fora concebido, ao longo de séculos, para funcionar de marcha à ré dos sonhos que comandam o futuro.

LOS ORÍGENES DE LAS UNIVERSIDADES



Hoje a escola continua a ser, generalizando grosseiramente, e honra às suas exceções, um caixote de muros e janelas altas, herança da arquitetura sagrada, onde o sonho é prometido e adiado para um futuro póstumo. A escola quer fazer-nos acreditar, à força de marranço, que o futuro morreu, que só aos gloriosos mártires cabe a verdade, mas nós sabemos que nem andando de marcha à ré dos sonhos, a escola pode travar o tempo, e o que precisamos, é de uma escola em que a identidade de cada, em relação com o mundo e os outros, um seja esse invencível motor do futuro onde o sonho chegue primeiro.
A escola não tem culpa, vive embalada de séculos de obediência e veneração aos velhos deuses, do poder, do dinheiro, da divina providência. A escola criou-se providente dos fracos de espírito e sacrossanta luz das suas almas. Nessa missão ergueu seus muros e isolou-se do mundo terreno. Esqueceu-se das pessoas.

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Hoje o mundo inunda a escola, e ela debate-se para conter esse fluxo de mundo e de gente que a quer tomar, que a quer encher de sonho. Quando as suas muralhas de preconceito caírem, quando a escola for feita de gente, ela será futuro, ela será sonho que rasga o medo. A escola será o que fizermos dela. Até lá continuará a debater-se para ser o que sempre foi, enquanto deixarmos.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

A rua como espaço de aprendizado para todos*



*Transcrição integral do artigo publicado publicado em 
http://porvir.org/destaque/rua-como-espaco-de-aprendizado-para-todos/20150416.

Helena Singer, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz, explica o que são territórios educativos
Por Pedro Nogueira, do Portal Aprendiz
Sem muros, uma escola se abre para a comunidade. Em simbiose com os demais equipamentos da região, com a rede de proteção à infância, com coletivos artísticos e organizações sociais, os habitantes desse local se articulam para garantir que a rua seja um espaço de aprendizado para todas as idades. A ideia de que só “os especialistas” detêm o conhecimento cai por terra e as pessoas que ali vivem adicionam suas experiências e saberes na construção de um projeto de desenvolvimento local que começa, mas não termina, no campo da educação. Para além do “Se essa rua fosse minha”, uma proposta: E se esse bairro fosse de todos?
A descrição acima parece um pouco fantasiosa, mas já é realidade em diversas comunidades do Brasil que resolveram assumir sua vocação educativa e converteram-se em Territórios Educativos.
Helena Singer Territórios EducativosCrédito: carloscastilla / Fotolia.com
Mas o que é um Território Educativo?Para Helena Singer, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz e organizadora da Coleção “Territórios Educativos – Experiências em Diálogo com o Bairro-Escola”, que acaba de ser lançada pela Editora Moderna, é um lugar que atende a quatro requisitos: possui um projeto educativo para o território criado pelas pessoas daquele espaço; agrega escolas que reconhecem seu papel transformador e que entendem a cidade como espaço de aprendizado; multiplica as oportunidades educativas para todas as idades; articula diferentes setores – educação, saúde, cultura, assistência social – em prol do desenvolvimento local e dos indivíduos.
Essa noção é reafirmada por Juarez Melgaço Valadares, docente da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para quem o aumento da carga horária das escolas brasileiras tem dado ainda mais relevância para a questão do território. “Não dá para manter esses meninos e meninas na escola por 4, 5, 8 ou 10 horas. Temos que reforçar a ideia de que a escola tem que explorar os espaços da cidade, torná-la educadora e abrir novas possibilidades de aprendizagem.”
Em sua opinião, enquanto local de prática e experiência, o território contempla uma série de saberes que não podem ser desconsiderados pelos espaços educativos em nome da tradição do saber escolar-científico. “Quem conhece a região, domina certos conhecimentos, histórias e culturas. Se você traz a capoeira para a escola, o folclore, esses saberes populares, você tem outros agenciamentos e o jovem é poroso a tudo isso.”
Segundo o professor, a cidade tem espaços que são negados a determinados grupos sociais e que precisam ser ocupados e transformados. Essa relação gera conflitos e antagonismos que poderão ser usados para a transformação de preconceitos e da realidade local. O que funciona para o espaço público, também pode ajudar a escola.
“A vivência do território não se opõe jamais ao saber escolar. São complementares”
“A saída para a escola – e não digo que é fácil – é continuar a educar, no entanto, radicalizando esse conceito: aceitando vivências e entendendo culturas e processos de sociabilidade. A vivência do território não se opõe jamais ao saber escolar. São complementares”, acredita.
Em São Paulo, o Bairro Educador Heliópolis é um exemplo dessa trajetória, ao congregar, na EMEF Campos Salles, uma pedagogia democrática e autônoma com uma profunda ligação com a comunidade e seus movimentos sociais. Foram-se os muros, abriram-se as portas.
Outros bairros da capital paulista, como Centro, Vila Madalena e Jardim Ângela – embora tenham realidades distintas – compartilham a mesma intencionalidade. Pelo Brasil, Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Nova Iguaçu (RJ) e Sorocaba (SP) vêm realizando suas próprias tentativas de transformar o espaço comum em currículo e já colhem frutos interessantes.
Apesar dos avanços Brasil afora, há muito por fazer quando se fala em Territórios Educativos. Do processo de sensibilização das comunidades e escolas, passando pelos gestores públicos, à incorporação efetiva nas políticas e programas, esse parece ser um dos grandes desafios para a formação de cidadãos autônomos e comprometidos com a democracia no século 21.
Para inspirar bairros, escolas e comunidades, conversamos com Helena Singer sobre o tema. Acompanhe a entrevista:
Que fatores caracterizam um território? E o que o torna educativo?Helena Singer: Nós identificamos o território como o conjunto de usos que se fazem de um determinado espaço. Já o que o caracteriza como educativo são quatro condições básicas: um projeto para que ele seja educativo, criado pelas pessoas dali em um espaço participativo de construção. Por exemplo, em Heliópolis, existe o Sol da Paz que se reúne a cada ano e define quais são as prioridades do território educador e concilia comunidade e escola.
A segunda condição é que ele tenha escolas que reconhecem seu papel de transformar um território em educativo. Não é central, mas é importante ter uma escola que assume essa vocação e se reconhece com o território, que o vê como campo de pesquisa, currículo, lugar de estudo, que se envolve com as questões locais e propõe a ajudar na sua transformação.
Essa postura da escola fortalece os outros dois elementos: que as oportunidades educativas se multipliquem, com agentes que oferecem espaços de aprendizados não só para crianças, mas também para adultos, ao propor processos permanentes de participação.
E o quarto elemento que é a rede de proteção – formada pela educação, desenvolvimento social, saúde, cultura – que atendem os jovens e se articulam numa perspectiva integrada, buscando alinhamentos comuns para atender as pessoas daquele território e não apenas encaminhando de um serviço pro outro.
Neste sentido, muitas vezes é necessário que haja uma consonância de políticas públicas capazes de dar conta da complexidade de um território. Quais políticas públicas podem incentivar o surgimento e a consolidação de um Território Educativo? Quais sãos os principais desafios nesse campo?Helena: São aquelas que se desenham de modo intersetorial, como políticas da educação que se constroem em parceria com a cultura, o esporte, o lazer e a comunicação para multiplicar as oportunidades educativas. Claro que a atuação dos coletivos é essencial, mas se o Estado tem uma oportunidade de fortalecer esses âmbitos, o território ganha força. Um bom exemplo são os Pontos de Cultura, que possuem projetos educativos e ficam ainda mais fortes na perspectiva do local onde estão inseridos com o Programa Mais Cultura, que prevê a parceria da escola com o Ponto de Cultura. No campo da proteção, são exemplares as políticas que articulam o conselho tutelar, o posto de saúde e a vara da infância de maneira intersetorial e entendem que o estudante, menino e morador são a mesma pessoa e suas necessidades são vistas de maneira não fragmentária.
O principal desafio é realizar, na prática, essa integração. Um exemplo dessa dificuldade sãos os Centros de Educação Unificada (CEUs), equipamentos que representariam uma política integrada da educação, do esporte e da cultura, mas que enfrentam inúmeros problemas do ponto de vista da gestão, justamente porque a lógica dos setores é fragmentada Por isso, a perspectiva intersetorial deve vir desde o início e pensar o todo da efetivação de uma política.
“O Território Educativo só se consolida se a comunidade estiver com vontade de fazer”
E a comunidade nesse processo?Helena: Ela é a grande protagonista. O Território Educativo só se consolida se a comunidade estiver com vontade de fazer. Quando falamos em comunidade, a entendemos no sentido amplo, sem excluir a escola, os agentes da saúde, da cultura etc.
De que maneira a escola se torna um agente na constituição de um Território Educativo?Helena: A escola é um agente quando ela toma conhecimento de quais são as questões sociais e culturais do território e se pergunta: quem são as crianças e os jovens? Como vivem? Qual é a cultura da família? Do bairro?  Qual é o meu papel como instituição primária de sistematização do conhecimento na comunidade? Para mim, esses são os pontos de partida. Ela vai se consolidar como um agente quando a cultura da escola e seu plano de ensino se constroem a partir dessas perguntas.
A Cidade Educadora é a somatória de territórios educativos?Helena: Não. Uma Cidade Educadora possui territórios educativos, sem dúvida, mas a política urbana como um todo tem que ser pensada numa perspectiva educadora. Isso se dá quando os grandes marcos referencias da cidade, como o Plano Diretor Estratégico e o Plano Municipal de Educação já são concebidos juntos, integrados e em diálogo para que todas as políticas da cidade se desenhem na perspectiva da Cidade Educadora.
Para ilustrar, um exemplo absurdo: digamos que numa cidade todos seus territórios são educativos, mas o transporte público é péssimo e as pessoas não circulam na cidade. Quer dizer, sem políticas que privilegiem a pessoa e não o automóvel, que garantam o usufruto da cidade para todos, não dá para dizer que a cidade é educadora.
Com isso em mente, gostaríamos que você avaliasse a importância em se falar de Cidade Educadora, Bairro-escola e Territórios Educativos no país e na cidade que temos hoje. O que esses conceitos apontam para o nosso futuro?Helena: A importância disso hoje é expressa em várias pautas que são consideradas prioritárias no Brasil e no mundo, como o reconhecimento do indivíduo e a formação de cidadãos autônomos e comprometidos com a democracia. Está bem claro que a escola sozinha é incapaz de fazer isso, por isso, acreditamos que há a necessidade de articular vários setores para garantir os objetivos da educação. Há também pautas mais atuais, como o enfrentamento dos grandes desafios ambientais – que nos indicam que é preciso um reposicionamento da política, mas sobretudo das atitudes das pessoas, da participação no processo de tomada de decisão e focando-se mais no desenvolvimento local, que pode garantir uma sustentabilidade maior do que em grandes visões desenvolvimentistas. Além disso, também há um forte diálogo com a questão do direito à cidade, que no contexto urbano vêm ganhando força e tem forte conexão com a perspectiva dos territórios educativos. Quando se fala em priorizar pessoas no lugar de automóveis e fábricas, estamos falando de Territórios Educativos e Cidades Educadoras.
Quais são as referências teóricas e paradigmas que alicerçam essas reflexões?Helena: Certamente falamos de um novo paradigma, de superação de uma visão única, iluminista da história, que acredita que a razão e o progresso levariam necessariamente à melhoria das condições de vida das pessoas. No entanto, temos percebido, desde a Segunda Guerra Mundial, que não é por aí. Temos buscado outras ideias, novos paradigmas que deem mais poder e ênfase para a produção e agentes locais, territórios e para uma transformação da vida que vem da vida. Falamos de uma mudança que não acontece só após uma revolução, mas que começa em cada um, cada política, cada grupo que é capaz de transformar parte da vida e, com isso, seu mundo. Acho que neste sentido, Boaventura de Souza Santos e Milton Santos são nomes muito importantes.
E no campo da educação?Helena: Muitos dos grandes nomes da educação brasileira já falaram sobre educação e sociedade: Anísio Teixeira, Mário de Andrade e Paulo Freire são autores que sempre falaram que a educação sozinha dentro da escola não é a educação que muda o mundo e que a gente tem que entender as pessoas, seus contextos e a educação como um conjunto de processos que envolve a pessoa durante todo seu desenvolvimento. Essa visão integrada está presente na obra de todos esses autores.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Cem Soldos, uma aldeia que aprende e se recria

Estivemos em Cem Soldos, onde tivemos o prazer de conversar com os nossos amigos Horácio e Miguel Atalaia. Conhecemos as instalações do Sport Clube Operário de Cem Soldos (SCOCS) e ficámos encantados com uma aldeia que aprende e se recria dando verdadeiro significado à palavra comunidade.



Cem Soldos é uma aldeia com cerca de 1000 habitantes que fica a 5 Km de Tomar, e tornou-se conhecida pelo seu festival “Bons Sons”. A característica deste festival é ser organizado e produzido pelos habitantes da aldeia e as receitas do festival reverterem inteiramente para o desenvolvimento de iniciativas sociais e culturais que beneficiem a Aldeia de Cem Soldos e a qualidade de vida da sua comunidade. Destas iniciativas os projectos “em mãos” da aldeia são a concussão “casa aqui ao lado”, um centro de produção cultural e residência artística de apoio às muitas iniciativas que têm sido desenvolvidas em Cem Soldos e o “Lar Aldeia” uma iniciativa comunitária que pretende dar aos muitos idosos de Cem Soldos a possibilidade de permanecerem nas suas casas ao invés de irem para um lar. Esta iniciativa envolve o apoio domiciliário mas também as adaptações necessárias às suas habitações por forma a permitir a mobilidade adaptada.
Tudo isto feito pela e para a comunidade, em que o SCOCS, dirigido por jovens da aldeia, toma um papel dinamizador, com uma oferta cultural e artística intensa e variada e, na nossa opinião, empolgante.
Cem Soldos em festa

Nestas nossas voltas em torno da educação, tomámos contacto com o Miguel Atalaia, que está preocupado com o risco que a escola básica de Cem Soldos corre de encerrar por falta de alunos. Neste momento restam cerca de vinte, numa turma única, do 1º ao 4º ano.

Escola básica de Cem Soldos

Sendo o ensino feito através do “método tradicional”, a heterogeneidade é um problema, e a insatisfação da população cresce. A solução mais fácil para alguns pais parece ser transferir os alunos para Tomar, onde a dimensão do parque escolar, mas a aldeia está mobilizada em encontrar, como aprendeu a fazer nos últimos anos, uma solução própria, dentro de portas. Têm-se mobilizado e discutido dificuldades e soluções, entrado em contacto com quem pode contribuir com outras visões, outras experiências. Um desafio que não é de fácil resolução, mas que conta para já com a dinâmica única de uma comunidade que nos fascinou, e com a ajuda de bons amigos, entre os temos orgulho, passe o pretensiosismo, de nos contar. Temos a certeza que a experiencia que trazem do seu trabalho comunitário, no sentido oposto ao assistencialismo que grassa por tantos outros lugares, encontrará os meios e as formas de dar à escola e aos alunos de Cem Soldos uma escola de excepção, uma escola que é uma aldeia e como diz o provérbio, é necessário uma aldeia para educar uma criança. Caro Miguel e Horácio, e restantes Cem Soldenses, vocês já têm a aldeia e a experiência, tudo o resto é um quase nada que, temos a certeza, saberão resolver!

A Cem Soldos enviamos um grande abraço e um até já!



Imagens retiradas do blog de Cem soldos, do site panoramio e da página do FB da SCOCS 
(https://www.facebook.com/pages/S-C-O-C-S-Associa%C3%A7%C3%A3o-Cultural/207731365911815)