sexta-feira, 23 de maio de 2014

Sala de aula e avaliação: caminhos e desafios, por Regina Shudo

A autora analisa o papel da avaliação, que não está condenada à perpetuação do status quo reprodutor e conservador, mas que ela pode e deve ser uma dimensão central na descoberta de soluções de melhoria da escola e do processo educativo, com o eixo aluno-professor e a reflexão colectiva e permanente  no centro da acção. 


Sala de aula e avaliação: caminhos e desafios
Regina Shudo
A questão da avaliação é amplamente discutida e abordada em todos os segmentos externos e internos da escola. Nos últimos anos, as escolas buscam constantemente redefinir e ressignificar o seu papel e a sua função social. Elas estão elaborando o seu projeto educativo para nortear as práticas educativas e, conseqüentemente, a avaliação.
A escola que hoje queremos, dentro da pedagogia preocupada com a transformação, e não mais com a conservação, repensa o processo da sala de aula. A sala de aula existe em função de seus alunos, e cabe a nós, educadores, refletir se realmente respeitamos os alunos em relação ao acesso ao conhecimento e se consideramos quem são eles, de onde vieram, em que contexto vivem, etc...
Diante disso, tentaremos trazer para a sala de aula um novo sentido para a aprendizagem e para a avaliação. Abordaremos essas questões a partir de uma escola em que o aluno tenha acesso aos bens culturais, ao conhecimento produzido historicamente, e possa adquirir habilidades para transformar esses conteúdos no contexto social. Assim, a prática pedagógica e a prática de avaliação deverão superar o autoritarismo, o conteudismo, a punição, estabelecendo uma nova perspectiva para o processo de aprendizagem e de avaliação educacional, marcado pela autonomia do educando e pela participação do aluno na sociedade de forma democrática. Partindo desses pressupostos, para que o aluno construa o seu conhecimento, a sua autonomia, é necessário que ele esteja inserido em um ambiente em que haja intervenções pedagógicas, em que o autoritarismo do adulto seja minimizado e onde os indivíduos que se relacionam considerem-se iguais, respeitando-se reciprocamente. Importante ainda dizer que o aluno deve ter oportunidade de participar da elaboração das regras, dos limites, dos critérios de avaliação, das tomadas de decisão, além de assumir pequenas responsabilidades.
Na perspectiva dessa escola cidadã, teremos, na sala de aula, um professor mediador entre o sujeito e o objeto do conhecimento, trabalhando de forma que, a partir dos conteúdos, dos conhecimentos apropriados pelos alunos, eles possam compreender a realidade, atuar na sociedade em que vivem e transformá-la. Assim, o conhecimento para o professor deixa de ter um caráter estático e passa a ter um caráter significativo para o aluno.
Por conta de uma série de reformas e mudanças que ocorreram na educação nos últimos anos, os sistemas de ensino têm produzido maior flexibilização e autonomia nas escolas, até mesmo em relação ao desempenho dos alunos.
Cabe à escola definir o seu projeto educativo, considerando todos os aspectos, sem criar um descompasso entre o que se pensa e diz e o que se tem feito, ou seja, o seu projeto deve ser coerente, claro, participativo, e estar em sintonia com os grupos envolvidos com a escola, ou seja, com a comunidade, alunos, professores...
É preciso também pensar sobre os professores, pois, para superar os limites dessa escola que não queremos mais, será necessário investir continuamente na sua formação, retomando e repensando o seu papel diante dessa escola cidadã. Nela, não caberá um professor conteudista, tecnicista, preocupado somente com provas e notas, mas, sim, um professor mais humano, ético, estético, justo, solidário, que se preocupe com a aprendizagem. É preciso um profissional com competência, tanto política quanto técnica, que conheça e domine os conteúdos escolares e os atitudinais, saiba trabalhar em sala de aula utilizando uma metodologia dialética, tenha um compromisso político, social, seja pesquisador, um eterno aprendiz e estudioso, tenha uma prática coerente com a teoria, seja consciente do seu papel como cidadão, etc...
Diante dessas exigências quanto à escola e ao professor, daremos prosseguimento às reflexões iniciais, em relação às práticas avaliativas.


AVALIAÇÃO E SUAS CONCEPÇÕES
O que é avaliação?
Em encontros com professores e até relatos de especialistas, constatamos uma contradição entre as intenções e o processo efetivamente aplicado, na busca de uma definição ou de um posicionamento acerca da avaliação. Certamente tal contradição nasce da autocensura gerada pelo descompasso entre uma imagem idealizada da avaliação, encontrada em teorias atuais, progressistas, e a realidade cotidiana das escolas, condicionadas, estruturalmente, pelo sistema de promoção e seriação e, conjunturalmente, pelas péssimas condições concretas de trabalho e pelas determinações de superiores.
Talvez por esse motivo, mesmo que aparente, surjam tantas concepções de avaliação, sempre vagamente apresentadas nas formulações verbais de professores, pais e alunos, que identificam a avaliação como tudo o que ocorre nas práticas avaliativas, como prova, nota, boletim, recuperação, aprovação, etc.
Entre estudiosos do tema, percebemos uma interminável discussão, seja pelo monopólio da verdade, seja pela tentativa da precisão do conceito, o que fez surgir conseqüentemente uma variação conceitual muito grande.
Em cada conceito de avaliação subjaz uma determinada concepção de educação. Na questão específica da avaliação da aprendizagem, a escola encontra-se diante de duas correntes resultantes de concepções antagônicas, pautadas, é claro, nos modelos de sociedade: a liberal conservadora e a social democrática.
Assim, a pedagogia, de acordo com os modelos sociais, se apresenta como conservadora ou transformadora. A pedagogia conservadora, da escola tradicional, prioriza a avaliação dos conteúdos livrescos; a escola novista, as relações afetivas, e a tecnicista, os meios técnicos, o fazer. A pedagogia transformadora apresenta nas suas práticas pedagógicas a pedagogia libertadora, que apresenta subjacente à sua teoria a formação da consciência política, de uma avaliação antiautoritária. Já a pedagogia libertária traz a autogestão, e a pedagogia histórico-crítica, a compreensão da realidade, dando prioridade à educação como instrumento de transformação, de formação para a cidadania.
Podemos acrescentar que a pedagogia conservadora destaca a importância das medidas de dimensões ou aspectos quantificáveis, considerando a importância da periodicidade do processo de avaliação e do registro de seus resultados, especialmente nos momentos de terminalidade, como de uma unidade, série, curso, etc. A avaliação tem uma função, então, de classificação, sempre se referenciando em padrões socialmente aceitáveis, destacando a avaliação como um julgamento de valor, com base em padrões consagrados. Além disso, a distinção que estabelecem entre padrões sociais, culturais, científicos denota nessa escola, nessa pedagogia, uma postura positivista, na medida em que não incorporam a idéia de que os padrões científicos são também socialmente elaborados.
Para a pedagogia transformadora, na avaliação da aprendizagem predominam os aspectos qualitativos sobre os quantitativos. Nesta concepção, a avaliação deve ter uma finalidade diagnóstica, voltada para o levantamento das dificuldades dos alunos, com vistas à correção de rumos, à reformulação de procedimentos didáticos ou até mesmo dos objetivos. A avaliação é um processo contínuo e paralelo ao processo de ensino-aprendizagem. Ela deve ser permanente, permitindo-se a periodicidade apenas no registro das dificuldades e avanços do aluno relativamente às suas próprias situações pregressas.
Nesta pedagogia, considera-se como parâmetros válidos e legítimos para servirem de referência apenas o ritmo, as características e aspirações do próprio alvo da avaliação (seja ele o aluno, a instituição, o professor, ou qualquer outro).
A partir desta segunda concepção de avaliação, acredito que na escola cidadã, na escola democrática, devemos caminhar para uma educação em que o conhecimento não tenha uma estrutura gnoseológica estática, mas seja um processo de descobertas mediatizado pelo diálogo entre educador e educando. Nesta escola, a preocupação, na sala de aula, deverá ser com uma educação que torne os alunos pessoas habilitadas para agir na sociedade e entendê-la, sem qualquer tipo de manipulação obscura, como, por exemplo, um sistema avaliativo punitivo. Devemos valorizar na sala de aula o processo de aprender a aprender, a formação das capacidades, o desenvolvimento da criatividade pessoal e do reconhecimento do outro como sujeito, a criação de atividades que privilegiem o conhecimento e, por fim, a possibilidade de verificar o desempenho dos alunos nas diversas práticas escolares, para encadear sempre a correção de rumos e o replanejar.
Ressaltamos ainda que, nesse processo de avaliação, o professor deve conhecer os seus alunos, seus avanços e dificuldades, e também que o próprio aluno deve aprender a se avaliar e descobrir o que é preciso mudar para garantir melhor desempenho. É importante que os alunos reflitam sobre seus relacionamentos, de forma a alterar as regras quando necessário, para que todos alcancem os objetivos estabelecidos coletivamente.
O professor, para acompanhar o desempenho dos alunos, poderá registrar cotidianamente as considerações sobre o grupo todo e sobre cada um dos alunos, a partir das atividades desenvolvidas durante todo o trabalho pedagógico. Tomando como parâmetros os critérios formais da aprendizagem, deve observar: o nível de aprendizagem, relacionado ao conhecimento; o interesse e a iniciativa do aluno para a leitura, o estudo, a pesquisa; a qualidade do conteúdo elaborado e da linguagem utilizada; a sistematização e ordenação das partes, relacionadas à produção individual; a qualidade da elaboração em conjunto com outros alunos; a capacidade crítica, indicando a criatividade; a capacidade de reconstrução própria e de relacionar os conteúdos das diversas áreas do conhecimento. As considerações e opiniões dos próprios alunos deverão também ser anotadas e analisadas pelo professor.
Nesse processo de avaliação, não podemos esquecer que o professor também deve se avaliar, refletindo sobre o seu próprio trabalho, verificando seus procedimentos e, quando necessário, reestruturando sua prática.
Diante de todas as considerações apresentadas acerca do papel e da importância da avaliação no processo educativo, destacamos que a avaliação deve ser conscientemente vinculada à concepção de mundo, de sociedade e de ensino que queremos, permeando toda a prática pedagógica e as decisões metodológicas. Sendo assim, a avaliação não deve representar o fim do processo de aprendizagem, nem tampouco a escolha inconsciente de instrumentos avaliativos, mas, sim, a escolha de um caminho a percorrer na busca de uma escola necessária.

fonte: http://www.educacional.com.br/articulistas/outrosEducacao_lista.asp?artigo=regina0001

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