quarta-feira, 12 de março de 2014

A autonomia das escolas

Têm surgido várias declarações públicas, provindas do Ministério da Educação acerca da autonomia das escolas. O próprio Ministro da Educação terá dito que "há muito a fazer na autonomia das escolas". Este é um discurso que sucede ao cheque-ensino, e mais uma tentativa de desresponsabilizar o Estado face ao ensino e educação, coarctando meios, delegando as difíceis questões da colocação de professores e deflectindo as críticas das famílias. Nada de novo nem de bom se anuncia na 5 de Outubro…
Mas, e que mas… esta é mais uma tentativa de deitar fora o bebé junto com a água do banho, se me perdoam a grosseira mas ilustrativa expressão.
Repensar a escola, algo com que todos parecem concordar, é repensar a autonomia das escolas. As escolas centralizadas, de currículo único foram uma etapa importante na democratização e universalização do ensino, marcaram uma viragem, a par da ocorrida na sociedade, numa época em que a industrialização passou a requerer trabalhadores mais qualificados a par com a libertação da mulher das tarefas domésticas, ocupando os jovens até que estivessem em condições de enformar a mão-de-obra nas fábricas. E assim cresceu a escola durante cinquenta anos, ao longo de várias gerações de alunos e professores que não conheceram outra realidade nem (salvo honrosas excepções) questionaram a escola.
Questionar a escola é reforçar o ensino e construir alternativas, é uma exigência imperiosa para seus actores. É neste quadro que a autonomia das escolas se torna pertinente e necessária, como forma de apresentar novas soluções a problemas complexos, demasiado complexos para que sejam deixados aos caprichos da 5 de Outubro.
Os desafios e oportunidades que a escola apresenta colocam-se em primeiro lugar às comunidades em que esta se insere e deve ser encontrado um equilíbrio entre a homogeneidade e a especificidade das escolas. Uma glocalização do ensino, se quiserem utilizar um palavrão. A solução passa no meu entender pela definição de um currículo e uma carga horária mínimos, transversais a todas as escolas, um efectivo suporte no que respeita a meios financeiros e logísticos por parte do Estado, uma monitorização correcta e uma avaliação participada. Um currículo mínimo que permita a integridade nacional do ensino, mas que deixe espaço para soluções complementares de natureza curricular e comunitárias, construídas localmente. 

O que está por trás da autonomia anunciada pelo Ministério da educação é exactamente o oposto: centralizar a decisão, imobilizar através da pressão e sobrecarga administrativa e delegar as responsabilidades, em particular no que toca ao financiamento. E depois fingir que é exigente, avaliando enviesadamente os resultados dos alunos em provas escritas, como se tal fosse avaliar a escola. O sucesso da escola e dos alunos não é medido pelo seu desempenho futuro em provas escritas. O sucesso das escolas está na sua capacidade de formar alunos capazes de pensar criticamente a sociedade e actuarem responsavelmente, de olhos postos no mundo e no futuro face a essa realidade. Isso só se consegue se as escolas forem capazes de se integrarem na comunidade, de forma colaborativa e nesse contexto contribuírem para o seu desenvolvimento. Essa é uma tarefa que só será atingida num contexto de liberdade e responsabilidade. Neste momento a actuação do Ministério da Educação é o maior entrave a que isso aconteça.

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