Neste meu périplo pelos métodos
e opções pedagógicas de orientação mais activas e centradas na criança – as que
compõem o odiado arco do eduquês de Nuno Crato, para simplificar – existe uma
onde nunca me atrevi a “por o pé” e que num certo sentido representa talvez a
opção mais radical do ensino centrado na criança, colocando-a, e à sua
liberdade (quase) como valores supremos na escala dos valores em que se baseia.
Falo do Método Waldorf. Resta-me declarar em minha defesa que não sou
especialista nem tenho qualquer contacto directo com escolas que utilizam este
método, e o presente texto apenas resulta da informação disponível, pelo que a
sua fiabilidade é relativa.
Começaria por afirmar
que o “Método Waldorf” não é na realidade um método, mas sim uma filosofia, uma
vez que prescreve não apenas técnicas, metodologias e objectivos mas também
conteúdos e princípios que ultrapassam bastante a dimensão pedagógica e
escolar. A razão para tal é simples e coerente com os seus objectivos: o “Método
Waldorf” é dos poucos, se mais algum houver, que não procura educar a criança
tendo como referencia a sociedade, nem sequer na perspectiva da sua
transformação, como é o caso das pedagogias libertárias. O “Método Waldorf” tem
como referência o universo nas suas várias dimensões, física, anímica e
espiritual e entende a criança como uma das maravilhosas manifestações desse
universo, e será da tensão entre a criança e o universo, através do desenvolvimento
integral e livre da primeira e o respeito pleno pelo segundo na sua magnitude que
se concretizará a “nova sociedade”, uma sociedade de liberdade, plena de paz e espiritualidade
em que a harmonia universal é possível.
Para tal Rudolf Steiner,
o criador desta metodologia, concebe em 1919, a pedido de Emil Molt, o
Presidente da fábrica de cigarros Waldorf-Astoria, uma metodologia que irá
aplicar na escola criada para os filhos dos trabalhadores da fábrica. Nesta
altura Steiner era secretário-geral da Sociedade de Teosofia (que fora fundada
por Helena Blavatsky), função que desempenhou durante
cerca de 15 anos. A Sociedade de teosofia sofre uma cisão e Steiner passa para
nova Sociedade de Antroposofia, uma visão e vivência holística do mundo,
centrada não em deus mas no homem, e que servirá de arquétipo do método pedagógico
Waldorf.
O currículo de Waldorf divide-se em dois ciclos de sete
anos cada. Durante o primeiro a criança deve adaptar-se ao universo que a acolhe,
sendo dada total liberdade às suas potencialidades inatas e a veneração da
natureza na sua magnificência. Os conteúdos académicos e o raciocínio abstracto
não são contemplados, por forma a respeitar o natural desenvolvimento individual da criança, que é convidada a expressar-se através das diversas artes
e emoções. Procura-se neste ciclo que a criança conheça a Beleza.
O segundo ciclo introduz o raciocínio científico através
das vivências pessoais, para tal é incentivada a observação e a reflexão do
universo (nas suas várias dimensões: física anímica e espiritual), em busca da sua
Verdade.
Na sua forma mais “pura” o “Método Waldorf”, enquanto
herdeiro da teosofia e baseado da antroposofia é religioso, no sentido lato da
palavra. Assume o universo como uma entidade viva e que deve ser adorada, e
integra nas suas práticas quotidianas rituais cerimónias e cultos pré-cristãos,
em particular a celebração dos solstícios e equinócios, o que aliás se integra
na estrita ligação aos valores ecológicos e contacto próximo com a natureza,
traduzido não só mas também em hortas biológicas cultivadas pelos alunos – e o
quase repúdio pelas tecnologias - característico das escolas que adoptam este
método. Nos conteúdos, as lendas e mitologias constituem uma parte importante dos temas trabalhados. A antroposofia inclui ainda na sua concepção do desenvolvimento da
humanidade e do individuo a reencarnação como explicação dos percursos e características
individuais, integrando-a na sua metodologia e práticas.
Como muitas das metodologias comumente definidas como “alternativas”
o “método Waldorf” sofre frequentemente várias adaptações e mutações, não
havendo uma entidade “fiscalizadora” da sua correcta aplicação, muito embora
existam institutos específicos para a formação de professores nesta metodologia
é frequente as escolas recorrerem a professores provenientes de metodologias
similares (MEM, Montessori, Dewey) e as suas práticas serem mais ou menos adaptadas
às crenças, necessidades e desejos da comunidade escolar. O facto de se
tratarem quase exclusivamente de escolas privadas favorece esta flexibilidade.
Uma das características frequentes nestas escolas é o vegetarianismo, o que,
entre outras características as torna uma solução óbvia para os filhos dos
adeptos deste regime alimentar.
O Método Waldorf encontra-se disseminado por quase todo o
mundo e em franca expansão, a procura de formas alternativas de viver, mais
próximas dos valores ecológicos, e de uma espiritualidade “moderna”, aliada a
valores como a liberdade individual e o afastamento dos valores materiais tornam
estas escolas um polo de atracção para vários pais.
Existem algumas questões que devem ser colocadas quando se equaciona
o “Método Waldorf” como via para educação. E aqui termina a minha capacidade de
imparcialidade face a este “Método”.
Em primeiro lugar creio que se deve questionar
a liberdade como valor absoluto, seja em
que idade for. A Liberdade é um valor, uma prática e uma vivência que apenas
tem sentido quando existe a par da responsabilidade. Um adepto de Waldorf dirá
que a responsabilidade de cada um é devida ao “Universo” enquanto dimensão
sagrada e espiritual. Embora respeite a opção e a crença, eu discordo, pois não
existe uma paridade entre o individuo e um universo “sagrado”, logo a relação
de igualdade é injusta e compromete a liberdade individual que está sujeita à
dimensão sagrada das regras universais.
Decorrente desta questão está o respeito pelo outro e pelos
outros, a dimensão social da educação que é quase ausente nas práticas e
omitida nos princípios do método. Ao colocar a enfase de forma tão absoluta
entre o desenvolvimento individual e o “universo sagrado”, o relacionamento
dentro dos pequenos grupos e o relacionamento com a sociedade são
desvalorizados no processo educativo. Creio, e assumo que pode ser preconceito
meu, que a actual sociedade é vista como algo exterior e adverso, pois não
partilha dos valores de “Waldorf”. Podendo estar a ser injusto, receio que
exista algum preconceito religioso de parte a parte, com consequências nada
benéficas para o processo educativo. Seja ou não o caso, acredito que o desligamento
entre os ensinamentos da escola Waldorf e a sociedade constituem uma lacuna e
um erro, pois o homem é antes de mais um ser social e realiza-se em sociedade.
A questão da religiosidade. Se por um lado o respeito pelo
universo e pela natureza constituem um enriquecimento das actividades lectivas,
enquadrar essas práticas numa dimensão sagrada remete esses aspectos para fora
do que considero ser o contexto pedagógico escolar adequado. Independentemente
das crenças de cada um, eu defendo que a religiosidade deve pertencer ao foro
doméstico e familiar. Por uma única razão: o respeito pela liberdade
individual. Uma escola que não respeita a religiosidade (ou ausência dela) de
cada aluno e família é uma escola exclusiva, que não procura integrar a
diferença e vê nela algo que lhe é estranho adverso. A escola deve promover não
só a respeitar a diferença como a aprender e crescer com ela. E as escolas
Waldorf deviam saber isso melhor que as outras.
O vegetarianismo, que aliás é uma característica que não
corresponde à versão original do método. A questão é similar à anterior, enquanto
que um hominívoro como carne, peixe e vegetais, o vegetariano só come vegetais
(eventualmente leite e ovos). É um processo de exclusão. Se nas escolas Waldorf
a liberdade da criança é respeitada e a variedade de formas de expressão – música,
dança, artes plásticas etc, são altamente incentivadas, quando chegam à mesa em
muitas destas escolas essa liberdade está coarctada, carne e peixe são inexistentes.
Além disso eu acredito que é irresponsável retirar da alimentação infantil as
fontes proteicas necessárias ao seu desenvolvimento físico, intelectual e até cultural, mas como poderão
imaginar, não sou nutricionista…
A questão da autoridade.
Este é um aspecto fundamental em qualquer escola e que não consegui esclarecer
por completo, mantendo muitas dúvidas sobre a forma de tratar a autoridade nas
escolas Waldorf. Por um lado a liberdade da criança é, sobretudo no primeiro
ciclo, um valor intocável. Por outro lado existe uma dimensão sagrada e
espiritual, o que por si só significa a existência de dogmas, verdades
inquestionáveis e portanto a falta de liberdade para as colocar em causa. Do
outro lado a responsabilidade do homem existe na medida da liberdade do outro.
Se a liberdade do outro for absoluta, onde fica a minha? Mais, quem medeia o
conflito, uma vez que o grupo não tem dimensão social e o professor não deve
limitar o aluno? São muitas questões e profundas que ficam (para já) sem
resposta mas que merecem a minha desconfiança.
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