Vem esta questão a propósito da "prova de avaliação de
conhecimentos e capacidades, que os professores sem vínculo à função pública
têm de fazer se quiserem candidatar-se a dar aulas no próximo ano lectivo"
instaurada pelo Nuno Crato, a "bem da instrução nacional".
Nuno Crato parece saber o que quer de um professor na máquina instrutiva que se incumbiu de construir a partir do sistema
educativo que herdou.
Em primeiro lugar urge clarificar que esta não é uma prova de avaliação
de conhecimentos nem de capacidades. Não o é no sentido em que não tenta
conhecer os conhecimentos e capacidades para a docência dos candidatos. É sim
uma prova de selecção dos candidatos baseada em critérios que nada têm a ver
com competências nem conhecimentos pedagógicos - e estamos apenas a falar da
componente comum da prova, aquela que abrangerá todos os candidatos independentemente
da área de conhecimento em que se -propõem a exercer a docência.
Nuno Crato vê o Sistema Educativo da mesma forma que vê o mundo: à
imagem e semelhança do seu umbigo. Como todas as mentes pequeninas, só é capaz
de reconhecer no mundo aquilo que existe em si mesmo, o que é, consequentemente
muito pouco.
Desta forma se entende que o conteúdo da prova (pelos exemplos
apresentados aqui
pelo GAVE)se assemelhe mais a uma prova de inteligência e raciocino lógico e língua
portuguesa do que de conhecimentos e competências pedagógicas, o que aliás é conforme
com o formato de “avaliação” escolhido: como é que se demonstra poder vir a ser
bom professor numa prova escrita de duas horas? Sobretudo quando o Crato
entende, como parece ser o caso, que a frequência de um dos cursos superiores de
formação de professores não são suficientes para os habilitar a exercer a
docência…
A resposta a esta aparente contradição – a obtenção de uma licenciatura
numa escola superior de educação não ser condição suficiente para exercer a
docência, mas a resolução de uma prova escrita de duas horas conseguir dar essa
certificação – está, mais uma vez na pequenez da mente do Nuno Crato – que não
controla, pelo menos como desejaria, o que se passa nas ESE’s e em particular
as actividades de alguns perigosos
pedagogos, adeptos das teorias humanistas e românticas descendentes de Rosseau que ainda subsistem nas Escolas Superiores
de Educação e que Crato designou como alvos a abater.
Crato sabe que o exigir algo aos professores é meio caminho andado para
que estes o exijam aos alunos. Pressupõe que ao pôr a tónica nas “disciplinas
elementares” e nos processos básicos de raciocínio não só reduz ao elementar a
profissão docente como espera que os novos professores entendam a mensagem e a
passem aos seus futuros alunos.
Mas esta mensagem não se encontra, no essencial nos conteúdos das provas,
porque as avaliações não servem para avaliar as os conhecimentos e competências
face às perguntas expressas, nem as provas de selecção servem para escolher os
melhores. Nunca assim foi, duvido que alguma vez o venha a ser.
Nesta prova o GAVE leva esta avaliação “velada” aos píncaros da perversão.
Em primeiro lugar porque se trata de saber se uma pessoa que estudo e superou
com sucesso as provas inerentes a uma licenciatura está ou não apta para
exercer a profissão para a qual essa licenciatura supostamente a habilita. Trata-se
assim de um teste à capacidade de humildade, para não falar em humilhação.
Assim, para Crato, a) um bom professor é humilde e capaz de
humilhar perante o Minsitério da Educação.
Em segundo lugar a prova é paga. Para Crato b) um bom professor pode e deve pagar para exercer a sua profissão no Sistema
de Ensino Público, o que não deixa de ser uma extensão da alínea a)
Em terceiro, prevê-se que a prova possa decorrer numa localidade
diferente da pretendida pelo candidato, sendo-lhe nesse caso indicado o local
cinco dias antes da prova. Para Crato c)
um bom professor dever ter boa capacidade de mobilidade geográfica
No que respeita à realização da prova é construído um verdadeiro ritual,
uma espécie de prova iniciática de pontualidade e disciplina:
“Os candidatos devem apresentar-se na sala indicada para cada prova, 45
minutos antes da hora marcada para o seu início.”
“Os candidatos devem entrar na sala 20 minutos antes da hora marcada
para o início de cada prova, mediante chamada.”
“Os candidatos poderão, apenas, utilizar caneta preta de tinta
indelével.”
Assim percebe-se que d) para Crato o bom professor é pontual, disciplinado e obediente
Ainda no capítulo da obediência percebe-se que para
Crato , além de obediente, e) o bom
professor é potencialmente desonesto e desleal para com os colegas pelo que
decreta o GAVE:
“Os candidatos não podem ter consigo quaisquer suportes escritos, por
exemplo, livros, cadernos, folhas, nem quaisquer sistemas de comunicação móvel,
tais como computadores portáteis, aparelhos de vídeo ou áudio, telemóveis ou
outros.”
“Os objetos não estritamente necessários para a realização da componente
da prova, tais como pastas, carteiras, estojos ou outros, bem como os
equipamentos de comunicação móvel, devidamente desligados, devem ser colocados
em local a indicar pelos vigilantes.”
O final desta citação revela ainda que além da sua
desonestidade ou em consequência desta, para Crato f) os professores são irresponsáveis e incapazes de gerir a sua
autonomia enquanto indivíduos pensantes, pelo que devem ser vigiados
Aliás, tal a
preocupação com o bom comportamento dos professores que a este assunto é
dedicado um capítulo inteiro, que prevê sanções profissionais e criminais:
“Capítulo VII ‒ Procedimentos a
adotar quanto a irregularidades e fraudes detetadas
1. Considera-se anulada a prova de qualquer candidato desde que, durante
a realização da mesma, se verifique:
a) a indicação, na folha de respostas, de elementos suscetíveis de o
identificar, fora dos locais assinalados;
b) a utilização de expressões ofensivas e insultuosas;
c) a prática inequívoca de qualquer fraude em benefício próprio ou de
terceiros, em qualquer etapa da prova;
d) a manipulação de qualquer tipo de equipamento eletrónico e de
comunicação;
e) a saída da sala de realização da prova antes de terminar o tempo
regulamentar;
f) a ocorrência de qualquer comportamento indevido;
g) o incumprimento do prescrito nos normativos legais que regem a prova.
2. A suspeita de fraude em qualquer fase do processo, após a realização
de cada componente da prova, implica a suspensão da eventual eficácia dos
documentos entretanto emitidos.
3. A comprovação da fraude referida no número anterior implica a
anulação da componente da prova.
4. Os procedimentos anteriormente referidos são adotados sem prejuízo de
ulterior procedimento criminal.”
Este capítulo VII trata-se de um verdeiro manual de conduta e
moral que atesta a perigosidade dos “candidatos” a serem “bons professores
segundo Crato”. Uma listagem de comportamentos indesejáveis que comprova a
opinião do Ministro da Educação acerca dos professores. Um atestado de
confiança que Nuno Crato bem gostaria de ver reproduzido na sala de aula, entre
alunos e professores, a bem da instrução pública nacional. Felizmente temos muitas mais razões pelas provas dadas para confiar nos professores do que no Ministro que os tutela!
o guia da prova está aqui
Sem comentários:
Enviar um comentário