Tropeço hoje em duas
notícias que não consigo ignorar como avisos e sinais do tempo em que
vivemos.
Em Angola parece existir
um processo de indeferimento da legalização de centenas de religiões, das quais
se parece destacar a islâmica, com a destruição de dezenas de mesquitas que
terão sido construídas ilegalmente.
Ao mesmo
tempo director nacional da administração da justiça, Vitorino Mário, disse
que "as igrejas que viram os seus processos de autorização indeferidos
devem encerrar as portas e absterem-se de toda actividade religiosa".
Em Lisboa, no Parque
Eduardo VII, haverá entre 29 de novembro a 6 de
janeiro, a Aldeia Natal agrega tradições pagãs e cristãs, juntando ícones como
o Pai Natal e as suas renas e a família de Jesus... tudo acessível por preços
entre os 8 e os 50 euros...
O contraste entre as duas notícias,
simultâneas no tempo, apesar das distâncias geográficas e sociais, não poderia
surgir maior, no entanto incidem sobre três questões que me surgem com
frequência quando a questão da educação está presente.
A liberdade é o maior dos contra-sensos
da educação, sempre o foi e será, sem liberdade não há educação digna desse
nome, e com educação nunca deixa de haver restrições à liberdade. Esta tensão
entre liberdade e educação, que anda sempre no fio a navalha reflecte na
sociedade e em cada educador uma certa concepção de sociedade e de Estado e
logo do papel da pessoa nesse ideário. Seja a educação reprodutora, seja a
educação transformadora, não podem ser concebidas sem que existam referências,
por simpatia ou oposição à cultura dominante. E a cultura dominante é
consumista e religiosa.
A relação actual da
sociedade com o sagrado religioso choca com a liberdade individual por duas
vias: em primeiro a religião desresponsabiliza, e sem responsabilidade não pode
haver liberdade, em segundo porque, tal como no futebol, descentra, por
preconceito a própria liberdade do essencial. O focus da reflexão (se é que
existe) recai sobre “a qual se pertence” e não à opção de aderir ou não a
algum(a).
E quando se é educador esta
segunda dimensão torna-se incontornável quando a religião e o consumismo se
aliam nessa máquina voraz das liberdades a que designamos por Natal.
E neste contexto, a educação
revela-se mais uma vez indissociável das opções ideológicas (que aqui incluem de
forma evidente a religião). É impossível ignorar o Natal e as celebrações que
lhe estão associadas. Concordemos ou não, o Natal toma conta das ruas, das
conversas, dos écrans das televisões e das relações com os amigos e com a família.
Calar é consentir, e o consentimento por condescendência é a pior das atitudes,
é a negação da reflexão crítica sobre o nosso papel enquanto pessoa e
educadores. E aqui entra a liberdade, e em particular a liberdade religiosa e a
relação entre a sociedade e o Estado e a religião e as Igrejas.
Numa sociedade consumista
como a nossa, natal e comércio funcionam em uníssono, invadindo espaços públicos
e privados, zurzindo as bandeiras da cristandade e da caridade, exigindo a
nossa adesão e o nosso contributo. O Estado sorri e aplaude, na gestão dos interesses,
dos poderes e das finanças. Estado, Igreja e Comércio, constituem em torno do
Natal uma trindade que pouco tem sagrada, algo de pagã e muito de pecaminosa…
E que dizer da perversão da
actuação destas instituições? Censurar, certamente que sim, mas proibir?
Limitar as opções individuais pela eliminação da disponibilidade, pela restrição
do acesso, como parece ter sido a opção Angolana? Que direito tem o estado de
interferir com as legítimas liberdades confessionais de cada um? Ou pôr à
venda? Sentar o menino jesus no colo do pai natal e cobrar dezenas de euros
pelo bilhete da entrada, como é a opção Portuguesa, em que vale tudo desde que
se facture?
Algo vai muito mal nestes
tempos que correm. As opções individuais sobre religião, e fé deveriam ser algo
sagrado, algo que faz parte da pessoa das suas escolhas conscientes e
consequentes. Opções que são direitos individuais inalienáveis, e que merecem
todo o respeito dos que não comungam as mesmas opções e que merecem o mesmo respeito
por parte dos primeiros.
E ambos, crentes e cépticos,
têm o direito e o dever de questionar que sentido faz esta coisa que atenta
contra ambos de forma vexatória da nossa condição de seres pensantes a que
continuamos chamar natal. E nós, os que temos a responsabilidade de educar não
podemos deixar de reflectir e agir em conformidade com os nossos valores face a
este atentado feito espetáculo de má qualidade. As nossas reflexões e acções são, queiramos ou não os alicerces sobre os quais se continuará a edificar a sociedade futura, resta saber o que queremos, o que toleramos, e as opções que queremos acrescentar a esse futuro.
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