quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Liberdade, Consumismo e Religião

Tropeço hoje em duas notícias que não consigo ignorar como avisos e sinais do tempo em que vivemos. 
                
Em Angola parece existir um processo de indeferimento da legalização de centenas de religiões, das quais se parece destacar a islâmica, com a destruição de dezenas de mesquitas que terão sido construídas ilegalmente. 
Ao mesmo tempo director nacional da administração da justiça, Vitorino Mário, disse que "as igrejas que viram os seus processos de autorização indeferidos devem encerrar as portas e absterem-se de toda actividade religiosa".

Em Lisboa, no Parque Eduardo VII, haverá entre 29 de novembro a 6 de janeiro, a Aldeia Natal agrega tradições pagãs e cristãs, juntando ícones como o Pai Natal e as suas renas e a família de Jesus... tudo acessível por preços entre os 8 e os 50 euros...

O contraste entre as duas notícias, simultâneas no tempo, apesar das distâncias geográficas e sociais, não poderia surgir maior, no entanto incidem sobre três questões que me surgem com frequência quando a questão da educação está presente.
A liberdade é o maior dos contra-sensos da educação, sempre o foi e será, sem liberdade não há educação digna desse nome, e com educação nunca deixa de haver restrições à liberdade. Esta tensão entre liberdade e educação, que anda sempre no fio a navalha reflecte na sociedade e em cada educador uma certa concepção de sociedade e de Estado e logo do papel da pessoa nesse ideário. Seja a educação reprodutora, seja a educação transformadora, não podem ser concebidas sem que existam referências, por simpatia ou oposição à cultura dominante. E a cultura dominante é consumista e religiosa.
A relação actual da sociedade com o sagrado religioso choca com a liberdade individual por duas vias: em primeiro a religião desresponsabiliza, e sem responsabilidade não pode haver liberdade, em segundo porque, tal como no futebol, descentra, por preconceito a própria liberdade do essencial. O focus da reflexão (se é que existe) recai sobre “a qual se pertence” e não à opção de aderir ou não a algum(a).
E quando se é educador esta segunda dimensão torna-se incontornável quando a religião e o consumismo se aliam nessa máquina voraz das liberdades a que designamos por Natal.
E neste contexto, a educação revela-se mais uma vez indissociável das opções ideológicas (que aqui incluem de forma evidente a religião). É impossível ignorar o Natal e as celebrações que lhe estão associadas. Concordemos ou não, o Natal toma conta das ruas, das conversas, dos écrans das televisões e das relações com os amigos e com a família. Calar é consentir, e o consentimento por condescendência é a pior das atitudes, é a negação da reflexão crítica sobre o nosso papel enquanto pessoa e educadores. E aqui entra a liberdade, e em particular a liberdade religiosa e a relação entre a sociedade e o Estado e a religião e as Igrejas.
Numa sociedade consumista como a nossa, natal e comércio funcionam em uníssono, invadindo espaços públicos e privados, zurzindo as bandeiras da cristandade e da caridade, exigindo a nossa adesão e o nosso contributo. O Estado sorri e aplaude, na gestão dos interesses, dos poderes e das finanças. Estado, Igreja e Comércio, constituem em torno do Natal uma trindade que pouco tem sagrada, algo de pagã e muito de pecaminosa…
E que dizer da perversão da actuação destas instituições? Censurar, certamente que sim, mas proibir? Limitar as opções individuais pela eliminação da disponibilidade, pela restrição do acesso, como parece ter sido a opção Angolana? Que direito tem o estado de interferir com as legítimas liberdades confessionais de cada um? Ou pôr à venda? Sentar o menino jesus no colo do pai natal e cobrar dezenas de euros pelo bilhete da entrada, como é a opção Portuguesa, em que vale tudo desde que se facture?
Algo vai muito mal nestes tempos que correm. As opções individuais sobre religião, e fé deveriam ser algo sagrado, algo que faz parte da pessoa das suas escolhas conscientes e consequentes. Opções que são direitos individuais inalienáveis, e que merecem todo o respeito dos que não comungam as mesmas opções e que merecem o mesmo respeito por parte dos primeiros.

E ambos, crentes e cépticos, têm o direito e o dever de questionar que sentido faz esta coisa que atenta contra ambos de forma vexatória da nossa condição de seres pensantes a que continuamos chamar natal. E nós, os que temos a responsabilidade de educar não podemos deixar de reflectir e agir em conformidade com os nossos valores face a este atentado feito espetáculo de má qualidade. As nossas reflexões e acções são, queiramos ou não os alicerces sobre os quais se continuará a edificar a sociedade futura, resta saber o que queremos, o que toleramos, e as opções que queremos acrescentar a esse futuro.

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